10.11.04

Meu ouvido não é penico!

Assistindo ao acústico dos Engenheiros do Hawaii este final de semana retornei a uma constatação terrível (que julgo ser geral): o péssimo nível dos letristas das bandas de rock do país, falando aqui das bandas mais expostas na mídia.

Foi um sem-número de frases e rimas que me deixaram perplexos, coisas que buscam a poesia previsível, trocadilhos manjados e jogos de palavras babacas e sem qualquer correspondência com a expressão poética pretendida pelo “mestre” Humberto Gessinger.

Só para ilustrar minha raiva, observem:

"Por que será?/ Me diz, por que será/ que a gente cruza o rio atrás de água?"” (10.000 destinos)

"Ela para e fica ali parada/ Olha assim para o nada, Paraná/ Fica parecida, Paraguaia/ Pára-raios em dia de sol para mim/ Prenda minha parabólica, princesinha parabólica/ O pecado mora ao lado/ O paraíso/ paira no ar/ Pecados no paraíso” ..... “Paralelas que se cruzam em Belém do Pará/ Longe, longe, longe, aqui do lado/ Paradoxo nada nos separa/ Eu paro e fico aqui parado"” (Parabólica)

"O nosso amor é medieval/ É como uma pedra em um vidro de catedral"” (Sopa de letrinhas)

"Surfando Karmas & DNA/ não quero ser o que eu não sou/ eu não sou maior que o mar" (Surfando Karmas & DNA)

Sinceramente, não é necessário nem ser irônico. Dá uma olhada nessas letras. É capaz dele alegar até que opta pela poesia surreal! Surreal o caralho! Isso é um apanhado de metáforas ridículas, rimas muito mal elaboradas, paradoxos banais e assim vai.

O grande problema não é tanto escrever mal. Ninguém está exigindo que todas as bandas tenha um poeta por trás das guitarras. A grande questão é a postura de poeta, o menosprezo pela inteligência do público e a arrogância desses pretensos grandes letristas.

O Jota Quest é outro terror no quesito letras supostamente líricas. Vejamos:

"Eu quero ficar só/ mas comigo só eu não consigo/ Eu quero ficar junto/ mas sozinho só não é possível"” (Amor maior)

"Voe por todo o mar e volte aqui/ pro meu peito" (O vento)

"Pra que tanto telefonema/ se o homem inventou o avião/ pra você chegar mais rápido/ ao meu coração...A fome de amar é real/ não se traduz em fios/ Meu ouvido não ama/ apenas ouve os seus reclames"” (Tele-fome)

O que falar então do Ira! ("Você é meu sol/ um metro e sessenta e cinco de sol"”), do Capital Inicial ("Parei de pensar e comecei a sentir/ Nada como um dia após dia/ uma noite, um mês"), CPM22 ("Tanto faz o que vai rolar/ mas nunca espero voltar lá/Sempre tento me esconder/ para deixar de te ver") e Charlie Brown Jr. ("Acabei de ver mais um cachorro na estrada/ dor de cabeça, garganta ressecada")?

Poderia juntar trocentos posts comentando essas letras patéticas e, na sua maioria, feita às pressas só para finalizar e lançar o CD.

É claro que os grandes letristas são e sempre foram poucos, mas um mínimo de bom-senso e competência é o básico para poder se chamar alguém de artista e não mero tocador de músicas e alimentador da indústria fonográfica.

Mas o negócio não tem só o lado ruim. Vários artistas ainda salvam o nosso cancioneiro do rock, com letras bem sacadas, seja pelo lado lírico ou pelo cômico e non-sense. Grandes exemplos são Los Hermanos, Lobão, Bidê ou Balde, Gram, o extinto Video Hits, Nando Reis (com algumas ressalvas), o próprio Réu e Condenado comentado no post anterior, e vários outros.

Com certeza o sucesso dessas bandas de péssimos letristas está ligado ao desprezo do público em geral pelo texto, fixando seu gosto apenas no “embalo” da música, não dando a mínima para o que o vocalista está falando (ou berrando, ou vomitando). Azar da nossa cultura.

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