23.11.04

Anos 80 - O Resgate

Qualquer um percebe que virou febre, de uns anos pra cá, o revival (forçado ou não) da moda, música, gírias e comportamentos em geral dos anos 80. É um tal de escutar Trem da Alegria, reverenciar o Chaves, cantarolar as músicas da Xuxa e do Serginho Mallandro, lembrar do Fofão, dos Thundercats e por aí vai (vide comunidades do Orkut e baladas como a Trash 80's).

Alguns dizem ser fruto de um suposto surto de decadência criativa. Outros, alegam resgate genuíno de coisas boas vividas naquela década. Vou arriscar uma tese diferente.

Perceba: esse resgate é levantado por pessoas que foram crianças nos anos 80, que ficaram adolescentes nos anos 90 e agora, em 2004, passam pela trágica crise transitória da fase infanto-juvenil para a vida adulta.

É conhecido da psicologia o retorno ao estado infantil, à "felicidade" dos tempos de infância, à proteção familiar e coisa e tal em momentos de severa crise e conflito interno. É como se fosse um meio de defesa, um casulo onde a pessoa se sente protegida e amparada dos males do mundo (pesado isso, não?). Ataulfo Alves já chorou essas pitangas em música: "Eu daria tudo que tivesse/ pra voltar aos dias de criança/ Eu não sei pra que que a gente cresce/ se não sai da gente essa lembrança". Curioso que Kurt Cobain também já expressou o mesmo (de modo muito mais, digamos, visceral): "Throw down your umbilical noose/so i can climb right back".

Por outro lado, como já disse o mestre Goethe, há uma expressão genuína do infantil cujo sentido só se constitui em momento posterior à infância. Assim, não é de se admirar que essas coisas que a gente venerava na infância voltem a ter um sentido tão forte, após passado aquilo período de negação total da pré-adolescência e adolescência (seja sincero(a): você já vestiu uma camiseta do Iron Maiden ou do Sex Pistols e achou tudo ridículo, infantil e babaca).

Em outras palavras, junto com essa "necessidade" de volta à infância como forma de proteção, há um evidente movimento de negação da censura em relação aqueles gostos "peculiares" de criança que permaneceram negados, xingados e escondidos durante aqueles anos de auto-afirmação pela negação da infância, típicos da adolescência.

Dessa forma, um bando de coisa "trash" que você ouvia, assistia, comprava, comia, falava, vestia volta a ser legal, volta a ser fantástico, volta a ser "da hora", só pra usar uma gíria da época. E não só as coisas dos anos 80, mas as do começo dos 90 também.

Esse revival, então, não é um simples movimento oportunista ou um resgate forçado em virtude de crise criativa (pelo menos pra mim e, creio, pra maioria). Pelo contrário, é uma consequência natural do momento de vida em que se encontram os pobres coitados da geração 1980-1985 (pensa bem, quando você nasceu o Brasil ainda tava ditadura, o movimento hippie já era história, o comunismo já era lenda, os punks já tinham se vendido, a disco-music já tinha falido e o U2 tava começando!!!! Quanta merda!!!)

Então, foda-se quem tira sarro de você que gosta de Trem da Alegria, Balão Mágico, Ursinho Blau-Blau, Clube da Criança, Serginho Mallandro, Angélica, César Filho, Latino, Os Morenos, Copacabana Beat, Luan & Vanessa ("o seu nome eu escreviiii"), Angélica, Power Rangers, Jovens Guerreiros Tatuados de Beverly Hills, Mc Hammer ("can't touch this"), 4 Non Blondies, "Always" do Bon Jovi, a música do "Guarda-Costas" da Whitney Houston ("And iiiiiiiii"), Armação Ilimitada, Chaves, Chapolin, Cavalo de Fogo, Gato Felix, Atari 2.600, Fofão, a loira que saía do espelho, a boneca da Xuxa que tinha o diabo dentro.

Pelo menos, com esse texto, eu pude dar um guia de desculpas esfarrapadas que você pode usar quando te chamarem de tosco. Mas acreditem! É sério!

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