29.3.05

Mercury Rev - The Secret Migration


Depois de um bom tempo enfurnados em um estúdio caseiro, o Mercury Rev inaugurou o ano pop com o lançamento de “The Secret Migration”, o qual já foi logo elogiadíssimo pela mídia especializada.
Dentre todos esses elogios, um deles me chamou muito a atenção: a comparação que a revista Uncut fez do disco com o clássico do Pink Floyd “The Dark Side of the Moon”. Segundo o jornalista, com o “The Secret Migration” a banda teria criado “seu grande álbum sobre o ciclo-da-vida, seu próprio ‘The Dark Side of the Moon’ – contudo, aquele termina com esperança e luzes”.
Bom, eu tenho uma certa relutância em engolir idéias como “álbuns conceituais”, e não acho que o Dark Side seja o melhor trabalho do Pink Floyd. Acho até que foi ali que a banda começou a decair. Mas esse é outra história. De qualquer modo, em tese, o disco do Pink Floyd teria a proposta de enfrentar as grandes dores da vida moderna, como a ganância, a fugacidade do tempo e, acima de tudo, a loucura.
Não há dúvidas que o disco do Pink Floyd não termina com esperança e luzes: versos como “and you run and you run to catch up with the Sun, but it’s sinking/and racing around to come up behind you again” (“Time”) ou “you shout and no one seems to hear” (“Brain Damage”) deixam bem expostas as feridas que o letrista Roger Waters se propôs a explorar. E, musicalmente, é um disco grandioso, recheado de solos e efeitos tecnológicos avançadíssimos para a época do disco.
O Mercury Rev já foi muito comparado aos seus ancestrais do rock progressivo, graças aos arranjos complexos e o virtuosismo da banda. Contudo, ao contrário de Yes e companhia, o Mercury Rev aprendeu a condensar toda essa grandiosidade em canções pops de 3 ou 4 minutos, muitas delas seguindo as fórmulas clássicas de refrão-verso grudento-solo legal. Mas, apesar dessa fórmula simples, o grupo não abre mão de orquestrações e paredes sonoras ao melhor estilo Phil Spector, que dão ao grupo um som que vai do alt-country à psicodelia barroca dos Zombies.




E logo na temática do álbum já vejo uma certa diferença entre os dois discos. Enquanto o “Dark Side of the Moon” concentra-se na vida urbana para analisar as chagas do homem moderno, “The Secret Migration” parte de várias imagens bucólicas – flores, a chuva capturada pelas folhas, florestas cheias de perigo, o vento do outono – para tratar de assuntos bem mais minimalistas.
Na primeira canção, “Secret for a Song”, a banda une a estética guitarrística dos Pixies a uma linha de baixo serpenteante e um belo arranjo de piano. Apesar da canção começar com imagens de um crepúsculo e de “violetas abrindo suas pálpebras para o Sol”, o vocalista Donahue logo afirma: “I told you where we're goin' girl/We're off for a dark country ride”. Aqui começa o lado negro da Lua citado explicitamente pelo Pink Floyd, mas que fica escondido em imagens inofensivas no álbum da banda americana.
Em “Vermillion” o grupo cria uma certa atmosfera de calma com um piano e mais imagens naturais, antes que tudo deságüe em um empolgante refrão que traz os versos “Ooh I know love sounds impossible/Some words are just so hard to say/And there's times you feel unlockable/An' all you ever want/Is someone to try...to open up...and find a way in”.
Mas a grande estocada do disco está na canção “My Love”. Um belíssimo arranjo de cordas cria o ambiente perfeito para versos sobre estações do ano, conversas pela madrugada e a história de Maria Madalena fugindo para a França com seu filho (?!?). Tudo é tão perfeitamente estruturado que o refrão aparentemente piegas (“I know I left you...alone too much/But I know I need you here...my love/I never thanked you...enough/I could've given you...my love”) conseguem partir o coração de qualquer fã de gangsta rap.
Portanto, ao fim do disco não consigo enxergar luzes. Assim como seus antecessores ingleses, o Mercury Rev fala sobre feridas. Contudo, aqui elas estão em pequenas fraturas escondidas por trás de algo absurdamente lindo.

9.3.05

Rocky Votolato - Suicide Medicine





Ele não é conhecido, ele não é famoso, ele não pertence ao catálogo de nenhuma grande gravadora. Mas ele é foda. Texano de nascimento e agregado ao efervescente mundo musical de Seattle, Rocky Votolato iniciou sua carreira na obscura banda Waxwing, em 1996, um projeto que não proporcionou maiores honrarias. Percebendo a discrepância entre a expressão de suas letras e o som produzido pela banda, Rocky optou por procurar uma nova textura, mais calma e intimista, baseada na bela interação de sua voz, suas letras e o violão. Assim, em 1999, iniciou sua carreira-solo, com um disco que levava apenas seu nome como título, despejando canções que, tempos depois, iriam ser enquadradas naquilo que a imprensa musical classificou como “alt-country” (aliás, que rótulo tosco!).


Nesse terceiro trabalho, Votolato chega ao ápice de seu lirismo, conseguindo reunir um grande acervo de músicas potentes e letras que impressionam pelas imagens e sentimentos expressados, passando da revolta quase panfletária (“Prison is Private Property”) a uma tristeza e melancolia que chegam a dar dó (“Alabaster” e “Automatic Riffle”). Por trás de suas composições e de seu voz-e-violão está uma banda de apoio formada por Casey Fobert (do Pedro The Lion), Seth Warren (do Red Stars Theory) e Matt Johnson (do Roadside Monument) e a produção de Chris Walla, que já trabalhou com o Death Cab for Cutie.


Certamente a maior marca de todas as faixas é a força empregada por Votolato na interpretação de suas letras, dando ênfase ao seu belo texto, que traz pérolas como em “Suicide Medicine” (“Oh god I love you / I mean forever / I left my body behind to break the news / looks like it's over / please remember all of the things I never got a chance to say / like you look smashing in your fourth grade picture the one that we hung by the door / in our house that was so beautiful / there in our little home”) e na mais bela canção do disco, “Automatic Rifle” (“The night I turned 25 it was legos on the floor / it seemed like a safe enough game / for a man to play with his daughter / an automatic rifle and a bullet through the window / and the troops are satisfied that justice had been delivered”). Vale observar que Rocky deixa expresso um lirismo violento, repleto de imagens fortes, como em “The Light and The Sound” (“If I have to crack open your skull with my fist/ I´ll let the light and the sound escape”), “Death-Right” (“I´ve seen men wallow in fear/ Inaction acts as a blade across the throat”) e “Prison is Private Property” (“But I´d rather starve than be a whore for an
empty living
”).



É nesse ponto que aparece o grande diferencial de Votolato em relação a seus pares de estilo: sua letra não se baseia apenas no romântico estado de sofrimento amoroso ou de depressão melancólica. Traz também, e de maneira muito forte e recorrente, versos cortantes e agressivos, acenando com cenas e vivências chocantes, num “realismo” (aqui como oposição ao “romantismo”) que destoa do genericamente produzido no gênero. Por isso, talvez, a relutância de Rocky em ser associado a bandas como Dashboard Confessionals e Bright Eyes. Como ditto por ele em entrevista: “Whoever is the big deal, that´s sort of what the smaller artists with na acoustic guitar will be compared to. Four years ago, everyone said I was like Elliot Smith. That´s the easy and lazy thing to do, but that´s always gonna happen and it doesn’t bother me. I don´t care. If people really wanna listen to my record they´ll be able to hear the differences. I just don’t think it´s woth losing any sleep over”.

O que se pode dizer é que o resultado do disco insere Votolato com destaque no grande rol dos artistas do “alt-country” que começam a despontar, como Damien Rice, Damien Jurado, David Gray e Pernice Brothers, ao mesmo tempo em que trás reminiscências de Jeff Buckley e Paul Westenberg, isso sem falar em Nick Drake e todos os folk-men (existe essa expressão?) dos anos 60 e 70. Vá atrás, vale a pena.