1.7.08

Entrevista: Diego Medina

Pra ficar no clichê, Diego Medina é um sujeito que dispensa apresentações. Condutor e idealizador de trocentas bandas, publicitário, ilustrador, garoto propaganda de cerveja e chocolate e, acima de tudo, um sujeito extremamente gente boa, acessível e bom de conversa. Aproveitando a repercussão de sua ópera-rock Zombieoper, a inclusão de suas ilustrações no livro inglês “Stickerbomb” e o lançamento do “Desgraçados do Ritmo” (ufa!!), BIFEcomXUXU trocou uma longa idéia por e-mail com essa bacaníssima figura que é uma incansável máquina de criações. Curtam aí!


SITE OFICIAL

MYSPACE

ZOMBIEOPER

ORKUT



BcX: Você acaba de voltar de um passeio pela Europa. O que trouxe de bom de lá, de discos e ilustrações? Alguma dessa tonelada de bandas novas te chamou a atenção? E nos desenhos, trás alguma nova inspiração pro seu trabalho?

DM: O que trouxe de melhor de lá foi o grande carinho com que os europeus me receberam. Fiquei impressionado como as pessoas foram queridas comigo e com a Carla (minha mulher) na Europa. Passamos por Amsterdam, Barcelona, Ilha de Wight (UK), País de Gales e Londres. Pra tu ter uma idéia do troço, eu chorei de alegria na balsa de volta saindo da ilha de Wight. Fiquei de boca aberta com a cacetada de amor e afeto que o pessoal da banda The Bees nos deu por lá. Parecia que a gente se conhecia há séculos. E em cada lugar que fomos rolou este carinho absurdo.

Trouxe também a idéia de que tudo é possível e aceito em matéria de arte, música, ilustração, etc. Na Europa tive contato com muita coisa diferente, muita coisa que não teria espaço aqui no Brasil. Coisas mais abstratas que eram criadas e consumidas perfeitamente por lá. Isso me mexeu bastante, me deu mais gana ainda de seguir pirando na batatinha [risos]!

Em matéria de compras, eu meio que dei uma segurada nos gastos durante a viagem. Mas em Londres mandei tudo à merda e gastei feito bicho. Comprei trocentos DVDs de filmes bizarros, muita coisa que já tinha em cópia pirata. CDs de música eu mais ganhei do que comprei. Ganhei vários do pessoal dos Bees na Ilha de Wight e mais um monte no País de Gales dos caras que fazem management pros Super Furry Animals e cia.

Adorei o último disco solo do Euros Child, The Miracle Inn. Curti também uma extinta banda galesa chamada Topper, muito inspirada em Bowie fase Ziggy. E o disco novo do MC Mabon, que é primo do Gruff (vocal do Super Furry Animals), é muito bom também. Parece um Gruff ligado no 220v.

Porra, e dei uma entrevista falando sobre a Zombieoper pra rádio BBC galesa. Isso foi uma demência sem tamanho. Jamais imaginei isso na minha vida, ser entrevistado pela BBC por causa de um disco caseiro meu.

BcX: Você é considerado um dos precursores da toyart e, mais recentemente, da artsy no Brasil. O que, de fato, te atraiu em cada um desses movimentos? Como foi ter desenhos incluídos no livro inglês "Stickerbomb"? Falta esse tipo de reconhecimento para os artistas daqui?

DM: Sou considerado precursor da toyart? Sério?? Tô sabendo dessa agora. Quando a toyart tava começando a pegar lá fora, eu acompanhava direto. Depois encheu meu saco, fui vendo muita coisa sendo repetida, com uma cara medíocre, e gente babando por isso.

O convite pra participar do livro Stickerbomb foi excelente. É o tipo de projeto que adoro, algo onde tu tem toda liberdade do mundo pra criar, estando no meio de artistas super talentosos e dentro de um produto final nota 10. Espero que me convidem pra mais desse tipo de projeto.


BcX: Tanto em seus desenhos como na música, nota-se claramente a mescla de elementos sujos, mais underground, com algo mais "fofo", mais palatável. Algo como se Roberto Carlos pegasse uma balada com o Mike Patton. Como funcionam esses dois mundos pra você?

DM: Eu curto o sujo, o estranho e o torto assim como curto a linguagem pop em diversos aspectos. Eu não consigo ser 100% experimental ou 100% pop. 100% experimental é hermético demais, cabeçudo demais. E 100% pop é meio raso pro meu gosto. Então tento ficar ali no meio termo da coisa, pop torto, sujo fofo.

BcX: No passado você esteve no centro do "hype" do que chamavam de rock gaúcho. Cerca de dez anos depois, poucas bandas conseguiram ficar em pé, em termos de visibilidade. Até que ponto aquele oba-oba prejudicou mais do que ajudou? As bandas erraram em algo ou simplesmente foram "largadas" pela crítica depois da onda?

DM: Realmente não tenho mais saco pra falar disso. O rock gaúcho e o pop nacional tão moribundos há anos na minha cabeça. Não consigo mais me identificar com aquela época de Video Hits, pop rock, dar a cara pra bater na TV, rádio, etc. Música pra mim é muito mais do que mercado quer, muito mais que assinar com gravadora e fazer parte do circo da mídia. Ao meu ver, música é arte. Pode ser um produto sim e tu pode viver dela, mas vejo o troço como um hobby que sou apaixonado.

Pouquíssimas vezes na minha vida eu encarei música como ganha-pão e nunca ganhei muita grana com ela também. Eu tenho um amor todo especial pela música que não me deixa voltar a montar uma banda e agüentar frescuras de integrantes, engolir sapo de executivos, fazer social com gente que só vive de imagem, etc.

Sinto um prazer enorme em poder gravar meus troços em casa sem pressão, fazendo o que bem entender. E quem quiser ouvir que ouça, quem achar uma merda que ache. Eu faço música pra mim mesmo (e pra alguns amigos que considero a opinião).

BcX: Atualmente você lança músicas pela internet e mantém um contato muito estreito com os fãs, pelo Orkut e pelo blog. O que te atrai nessa nova maneira de se lançar no mercado? E qual o segredo pra sobreviver nessa geração da internet, onde a venda de músicas e as verbas de direitos autorais foram pras cucuias?

DM: O que mais curto da internet é a liberdade. É um meio onde tu pode configurar tudo da maneira que achar melhor e tem controle sobre a forma que você quer apresentar seu trabalho. Sem falar que o mundo inteiro tem acesso ao teu material a cliques de um mouse.

Não existe ainda uma fórmula pra sobreviver nessa nova geração. O que acho meio triste hoje em dia é esse tipo de consumo imediato e voraz. Tudo é consumido hoje em dia de forma meio superficial, poucas pessoas ainda ouvem um disco de cabo a rabo, assimilam um álbum como uma coisa só. A impressão que tenho é que o pessoal mastiga 3 ou 4 músicas, sente um pouco do gostinho, cospe fora e parte pra outra. Eu ainda curto ouvir um disco inteiro e sentir o astral que o conjunto das faixas transmite.

E tem também o lance de ouvir música direto em fones de ouvido. Isso com certeza muda o modo como a música é consumida e produzida atualmente.

BcX: Nessa nova ordem da informação em massa, superficial e fugaz, você ainda consegue ouvir um disco inteiro várias vezes e idolatrar um artista? Quem são seus ídolos do passado e de hoje? Quem te faz sair de casa para ir a um show?

DM: Com certeza consigo. Eu sigo indo atrás e baixando muitos discos dos anos 60 e 70 em mp3. Acho que na virada dos 60 pros 70, mais ou menos de 1967 a 74, saíram discos incríveis que me fazem ouvir de cabo a rabo e pedir mais. Era uma época em que o pop caminhava junto com a inovação em vários aspectos. Você pode encontrar lindas melodias, lindos arranjos e produções excelentes de mãos dadas com um padrão musical que não era 100% pop. Hoje tu encontra muita gente escondida que trabalha assim, mas eu tenho um carinho todo especial pelos anos 60 e 70. Amo a sonoridade, amo as soluções criativas que nasciam trabalhando com equipamentos bem mais precários, uma certa pureza de espírito ainda pairando no ar.

Ídolos? Hmmmm... Depois dos 30 anos de vida tu não tem mais graaaannndeeesss ídolos. Claro que tem gente que admiro pra cacete, como Mike Patton, Beatles, alguns diretores de cinema, ilustradores e trocentas outras criaturas. E melhor ainda quando tu pode te encontrar com gente que admira e trabalhar junto, como foi o caso do Gruff dos Super Furry Animals gravando na minha casa ano passado.

Medina e Gruff nas gravações de Zombieoper


Eu não saio mais pra ver shows. Pelo menos não em Porto Alegre. Nada do que tá rolando por aqui me dá vontade de botar o pé na rua. Acho que algum show internacional imperdível me faria sair de casa, pegar um avião, etc. Mas tô bem faceiro socado em casa gravando meus troços, trabalhando com meus “freelas”, vendo meus DVDs e recebendo meus amigos pra bater um papo regado a cerveja e coisinha que pega fogo. Eu tenho tudo que preciso em casa, porque diabos vou sair? Pra socializar com o pessoal? Pois que o pessoal apareça lá em casa então.

BcX: Seus diversos projetos são sempre bem recebidos por seu público e pela crítica. Isso te dá segurança para cada vez mais fazer somente o que te dá prazer? Quais os reflexos diretos disso na sua arte?

DM: Como disse, quando faço música me interessa o que eu vou achar disso e o que gente que eu considero a opinião vá achar. Por mais que minhas gravações possam soar toscas, caseiras, inacabadas, teve trabalho duro ali. Minha autocrítica pode ser um grande inimigo às vezes porque eu sou meu grande carrasco, eu sou o cara que cobra se aquilo tá bom mesmo ou tá um lixo completo. Fora isso, tanto faz. Claro que faz bem pro ego receber elogios de estranhos ou da crítica, mas não é minha prioridade.

BcX: Como definiria cada um deles: Os Massa, Senador Medinha, Projeto Daytona, Doiseu Mimdoisema e Video Hits?

DM: Os Massa – brincadeira entre amigos. Encontro pra botar pra fora os demônios, encher a cara e dar risada. Eles foram muito importantes pra mim durante a época da VH. Eles eram minha válvula de escape do mundinho mídia-pop-rock-imagem e também me ensinaram a ver a música de uma forma mais solta, mais relaxada e até mais anárquica. Até porque pouquíssimos no grupo são músicos ou tem uma relação direta com a música. Mas são meus amigos do coração e eu amo gravar com eles.

Senador Medinha – comecei a gravar o primeiro disco do Senador logo depois da VH acabar. Foi mais ou menos o que Os Massa representavam pra mim na época, um projeto que fosse totalmente diferente daquilo que eu estava fazendo na VH. E naquela época eu tava doido pra gravar uma ópera rock. Sempre gostei do formato, adoro filmes como Rocky Horror Picture Show, Fantasma do Paraíso, etc. E tava ouvindo pra caralho o disco The Gay Parade do Of Montreal – também uma ópera rock. É muito legal poder contar uma história através das faixas de um disco. Eu adoro trabalhos com abundância de informação. No final de 2006 bateu a vontade de fazer outra ópera rock e me reuni com a Desirée (dos Massa) pra levar adiante o projeto. Acabou rendendo a Zombieoper.

Projeto Daytona – barulheira sem pé nem cabeça que às vezes gravo com o Gabriel Bubu (ex-Los Hermanos, atualmente Do Amor) quando a gente se encontra em Porto Alegre. Não tem regra, não tem melodia, não tem jeito [risos]!!

Doiseu Mimdoisema: minha primeira aventura desbravando sozinho gravações caseiras. Em abril de 1994, eu queria dar algo diferente pra um amigo que fazia aniversário em breve. Fiquei enfurnado no quarto com um gravador 4-track por 1 semana e gravei a primeira demo da DM pra dar pro cara. Tirei outras cópias da K-7 e botei pra vender numa locadora de CDs. Aí o troço foi se espalhando. Rolou muita coisa legal na época por causa da Doiseu. A imprensa recebeu super bem a primeira demo, gerou um público legalzinho e rendeu um contrato pra Banguela Records, a mesma que lançou Raimundos e Mundo Livre. O contrato com a Banguela deu em nada em matéria de disco, mas abriu trocentas portas e botou meu nome em algum pedacinho da história da música nacional.

Video Hits – começou comigo e com o Michel (bateria). O Michel era um grande amigo desde a época de colégio. Compomos uma série de músicas juntos depois do final da Doiseu, lá pela virada de 1996-1997. Chamamos então o Gustavo (baixo) e o Couto (guitarra), ambos já tocaram comigo na Doiseu. Nessa época o grupo se chamava Grupo Musical Jerusalém (uma piadinha infame sobre as bandas de festa-baile do interior do RS). Em 1998 o Michel descobriu que já existia um GMJ e mudamos o nome pra Video Hits porque era o título de uma coletânea famosa de hits dos anos 80. E hits dos anos 80 eram a última coisa que queríamos fazer, foi uma homenagem às avessas. O resto é história: gravamos um disco como quarteto em 1999 no estúdio Dreher, aumentamos a formação da banda depois de lançá-lo, rolou o contrato pela Abril graças a uma força do Marcelo Camelo (que amou nosso disco do Dreher), etc. Eu sempre recomendo ao pessoal que tá descobrindo VH só agora a ir atrás do nosso disco gravado pelo Thomas Dreher, Doces, Refrescos e Tratamentos Dentários. Dá de 10 a zero no disco que fizemos pra Abril.

BcX: A abordagem que você vem dando às suas músicas e seus discos é cada vez mais anti-comercial (disco duplo de ópera-rock, por exemplo). Há uma mágoa ou ressentimento com o pop? Você abusou do iê-iê-iê ou foi o contrário?

DM: Fui abusado pelo iê-iê-iê [risos] ! Não tenho ressentimento com o pop. Acho que mesmo no meio das coisas mais experimentais que faço tem sempre um elemento pop. Às vezes ele aparece mais claramente, às vezes tá diluído no meio da suruba sonora.

A minha relação com o pop mudou muito desde o final da Video Hits. Eu ando tendo tolerância quase zero a artistas ou músicas puramente pop. Não me acrescenta mais nada, não desperta interesse. Desperta sim tédio ou desânimo no meu coração porque sei que a música pode ser muito mais que 1-2-3-4. Mas com o tempo eu fui me dando conta que nem todo mundo quer inovar ou sair dos padrões de mercado. Tem gente que consome pop e trabalha com o pop numa boa, não sente necessidade de fugir disso porque é curte esse universo pop. Já eu tenho essa coceira de sempre querer ir um pouco mais além, acho muito importante aumentar minha bagagem cultural com coisas diferentes e tentar criar com elas.

BcX: Que artistas do cenário alternativo brasileiro te chamam atenção atualmente? Por que? E o relativo sucesso de bandas como o Cansei de Ser Sexy, contribui para ampliar a visibilidade e viabilidade dessas bandas e artistas alternativos no cenário interno e estrangeiro?

DM: Não acompanho mais o cenário alternativo brasileiro. A grande maioria das bandas que pedem pra ser meu amigo no myspace eu dou uma ouvida pra ver que tal é, geralmente soa uma bosta e nem adiciono. Não tô no myspace pra aumentar meu círculo de contatos virtuais. Me irrita essa mania de ter 49026 contatos e tu não conhecer metade da metade deles.

Acho que a banda carioca Do Amor é um dos poucos grupos nacionais que curto. Tem também o projeto +2 (Dom + 2 / Moreno + 2 / Kassin + 2) que adoro, eles conseguem ser pop e diferentes ao mesmo tempo. Mas o +2 nem é “alternativo”.

Sobre o CSS, é legal eles terem estourado lá fora. Não é meu tipo de som, mas bacana que conseguiram ultrapassar a barreira da distância e se firmar mundo afora.

BcX: Recentemente você participou do projeto da Imaginarium e lançou um disco como "Desgraçados do Ritmo". O que vem de bom para o resto de 2008 e começo de 2009? Alguma bombástica escondida nas mangas?

DM: Tô gravando umas músicas novas bem devagarinho em casa. Talvez seja o terceiro “disco” do Medina Bros Orteskra, talvez não. Provavelmente vai ser todo cantado em inglês. Tem seus momentos pop com melodia e tem coisas estranhas no meio, como barulhinhos de Nintendo DS, instrumentos eletrônicos estranhos, etc. Mas o proceso tá muito no início e tô gravando sem pressa. Na sexta-feira passada tava o Júlio Porto da Ultramen gravando umas guitarras lá em casa. Adoro ver o cara tocando, muito mestre.

Também sem muita pressa tô criando artes novas pra adesivos, camisetas e cartazes meus. Talvez tudo fique pronto no final do ano. Agora no inverno tô levando a vida num ritmo mais devagar, talvez porque eu odeie passar frio e sinta uma vontade de hibernar até a primavera.

Ah! E tem uma gravação dos Massa feita no feriado de Corpus Christ que preciso terminar de mixar. Tá a fina flor do barulho engarrafado.

3 comentários:

Dan Lopes disse...

Medina é mestre

Unknown disse...

excelente entrevista.

Anônimo disse...

Cara, muito bom 'ver' o Medina dando entrevista, gosto da 'maluquice' do cara!