14.12.05

Melhores de 2005

A música pop, desde antes de Nick Hornby e as listas de "Alta Fidelidade", vive de ciclos anuais. E todos os fins de ano chovem listinhas com os melhores lançamentos, revelações e afins. Como sou um amante dessas listas, cá está a minha. Este ano, inclusive, pude me dar o luxo de elencar os melhores shows. Então, lá vão minhas escolhas:

1. The Secret Migration (Mercury Rev): produto de uma banda madura, empenhada simplesmente em fazer boas canções. Ótimas melodias, harmonias que vão da psicodelia de bandas como Love até o folk-country de Neil Young, além de uma infinidade de imagens e metáforas geniais infestando as boas letras do grupo.

2. Funeral (Arcade Fire): tá, o disco é do ano passado, mas só no começo desse ano que ele caiu na minha mão e eu ouvi direitinho. Esquivando-se das modas desse começo de século, como a revisita à New Wave ou o rock garageiro, esse octeto canadense usa uma infinidade de influências e instrumentos para criar uma massa sonora impecável, cortada por melodias e riffs grudentos. E eles ainda tocaram no Brasil!

3. Black Sheep Boy (Okkervil River): Will Sheff, líder dessa banda norte-americana, inspirou-se na história do compositor Tim Hardin para criar um álbum com ares country, mas permeado de instrumentos diferentes, como acordeões e trompetes, e guitarras saturadas na medida certa. Destaque para as letras do álbum, como os seguintes versos da canção "For Real": "Some nights I thirst for real blood, for real knives, for real cries. And then the flash of steel from real guns in real life really fills my mind."

4. You Could Have It So Much Better (Franz Ferdinand): ao invés de seguir a fórmula do genial disco anterior, o grupo de Alex Kapranos optou por investir em outros sons. O primeiro single, "Do You Want To" trocou os riffs insanos de "Take Me Out" por ótimas batidas dançamtes. Já em "Walk Away" há a invocação dos Smiths em uma balada cheia de melancolia e ironia: "And I'm not cold, I am old/At least as old as you are".

5. Clap Your Hands Say Yeah (Clap Your Hands Say Yeah): guiada pela voz desafinadíssima de Alec Ounsworth (algo entre Bob Dylan e Gene Ween), esse grupo de Nova York faz um indie-rock cheio de qualidade e originalidade. Além do mais, esta é mais uma daquelas bandas que soube usar muito bem o boca a boca virtual e a distribuição maciça de MP3 para garantir um lugar ao Sol.

Menções honrosas: Antony & The Johnsons (baladas tristes, com ecos da fase Berlin de Lou Reed), Kaiser Chiefs (dance, motherfucker, dance), Bloc Party (mais rock dançante), Raveonettes (Buddy Holly encontrando o Jesus and Mary Chain), Ryan Adams (voltou a calçar suas botinas e lançou um monte de discos novos), José Gonzales (folk-singer que coloca o queridinho Willy Manson no chinelo), Sufjan Stevens (baladas folk dedicadas ao estado de Illinois).



Arcade Fire


Shows:

1. Mercury Rev (Curitiba Rock Festival): amparando-se no repertório do último disco, "The Secret Migration", e nos hits dos álbuns anteriores, o grupo evocou a atmosfera folk-psicodélica de estúdio de forma primorosa. Vale ainda lembrar da performance teatral de Jonathan Donahue e das imagens projetadas ao fundo da banda, que se integravam perfeitamente às canções.

2. Flaming Lips (Claro que é Rock): mesmo quem nunca tinha ouvido a banda adorou o show. Teve tudo: bolha espacial, confetes, serpentinas, ursinhos de pelúcia, bexigas e demais esquisitices providenciadas por Wayne Coyne e sua mente fritada pelos anos de consumo de drogas. E não faltaram os hits da banda, como "Do You Realize?" e "She Don’t Use Jelly", os quais foram devidamente acompanhados dos covers de uma versão karaokê de "Bohemian Rapsody" e da bélica "War Pigs", do Black Sabbath.

3. Arcade Fire (Tim Festival): a perfeita vingança dos nerds. Um bando de canadenses esquisitos que conseguiram fazer violinos e acordeões soarem mais pesados que as guitarras dos Kings of Leon. Somente Iggy Pop conseguiu rivalizar a energia e presença de palco do grupo em sua apresentação carioca.

4. Wilco (Tim Festival): solos longos à la Neil Young, baladas certeiras e uma ou outra dose de experimentalismo distribuídas em duas horas de show. Com mais de uma década de estrada, Jeff Tweedy contou com sua experiência e o amplo repertório da banda para fazer uma das melhores apresentações do ano.

5. Iggy Pop (Claro que é Rock): ele é o Iggy Pop. Ele tocou sem camisa e com o cofrinho a mostra. Ele se enfiou no meio do público, arrumou encrenca com os seguranças e com a "fuckin’ MTV". E tocou "I Wanna Be Your Dog" duas vezes. Precisa mais?

6.12.05

Vamo quebra tudo! Vamo, vamo...

O rock é revolucionário por essência. Não que Lênin e Guevara usassem guitarras, mas a origem do negócio se encontra na quebra da monotonia, na chacoalhada comportamental e estética e no balanço dos esqueletos osteoporéticos do estabelishment cultural (em suma, a porra-louquice em si mesma). Nenhuma novidade, mas parto disso para fazer um paralelo de dois rumos discordantes sustentados por bandas de grande e médio porte no Brasil.



De um lado, pesando 120 kg, 2,15 m de altura e esmagadora carreira de vitórias mercadológicas estão Skank, Jota Quest e Charlie Brown Jr., os grupos de maior vendagem no segmento pop-rock nacional. Em comum, longos anos de estrada, grande número de fãs, execução em massa nas rádios e tv´s e confortável garantia de “lançou-vendeu”.

Apesar das diversas virtudes dessas bandas, principalmente no começo de suas carreiras, o comodismo financeiro e a fórmula do sucesso acabou por transformar o negócio deles num simples Lulu Santos mais pesado, uma espécie de Bon Jovi ou U2 tropical.

O grupo de Rogério Flausino lançou recentemente uma versão de “Além do Horizonte”, um pagode-fake que Roberto Carlos infelizmente sustenta em seu repertório magnífico. A letra fala explicitamente de liberdade e fuga, mas a interpretação da banda mineira sugere no máximo uma patética conversa pós-velório-rumo-ao-enterro.

Falando em fuga, os outros mineiros do Skank assassinaram um dos maiores clássicos de Gilberto Gil para o comercial da Rider. Na visão de Samuel Rosa, “Vamos Fugir” um quase-hino da contracultura tropicalista - que contou com os Wailers em sua versão original - mais parece uma cantiga entoada pelo Missionário RR. Soares, o Edir Macedo da Igreja Internacional da Graça de Deus.

Falando em Deus, o Chorão vai fundar uma religião. Eu tenho certeza disso. Ou vai retomar o Rodox com o “falecido” Rodolfo Raimundos. Não bastasse o verso “Eu descobri que azul é a cor da parede da casa de Deus”, da música “Lugar ao Sol”, de 2001, o auto-intitulado “Marginal Alado” me aparece com “o melhor presente Deus me deu: a vida me ensinou a lutar pelo que é meu”, do disco novo. Não sou ateu, mas, meu amigo, num vá arruma briga com o Padre Marcelo. Se continuar assim, quando o Bento XVI vier pro Brasil, quem cantará a Ave-Maria não vai ser a Fafá de Belém.

No outro lado, com mirrados 54kg, 1.65 de altura e uma carreira sustentada na unha os pesos-pena Cachorro Grande e Bidê ou Balde, dois grandes expoentes das bandas de médio porte. Em comum, 3 discos lançados, terninhos anos 60, o adesivo “rock gaúcho”, a fama de banda engraçadinha-chata e o histórico de shows ensandecidos.

Os dois grupos lançaram discos esse ano pela revista Outracoisa, administrada pelo mito Lobão e os trabalhos trazem algo que remete ao primeiro parágrafo: são verdadeiras homenagens epicuristas à destruição do falso prazer decorrente do comodismo e da bunda-molice. No dialeto de Lobão, constituem real expressão da “pau-durescência” inerente ao rock.

“É preciso dar vazão aos sentimentos!”, título auto-explicativo do mais recente lançamento do Bidê ou Balde é a exortação à necessidade de se mexer. Seja para fazer uma festa, para ir a uma cachoeira, para casar (!) ou apenas para dizer “sim” uma única vez. A faixa que dá nome ao disco trás os versos: “insiste em fazer o que te dá passa na cabeça/ Costuma esquecer o que te decepcionar/ acorda e segue em frente pro que quer que lhe aconteça/ afinal de contas ta na vida pra gozar”. Dá pra notar a tônica da mensagem.

No mesmo sentido, “Pista Livre” do Cachorro Grande expressa o que o “Famílila MTV” pôde mostrar nos últimos dias. Uma banda de amigos, festeira e compromissada com a auto-satisfação. “Nada me impede de fazer o que eu afim” é o que berra Beto Bruno na frenética “Agora eu to bem Loco!”. Os gaúchos mantém, após 3 discos de relativo sucesso, a mesma mensagem “chute aquela porta” do início.

É óbvio que os dois lados são necessários para o andamento do mercado e coisa e tal e sei que a maioria dos leitores não aprecia nem um pouco as “bandas gaúchas”, mas quem se arrisca a discordar que o rock brasileiro esqueceu o eixo Rio-São Paulo pra passear um pouco lá pelos Pampas, aproveitar umas “budegas” e recuperar suas “chalaçadas” e “chinelagens” originais?

1.12.05

Chimbinha, Cansei de Ser Sexy e o mercado malvado

Até pouco tempo atrás, a Banda Calypso não era absolutamente nada no sudeste. Eu até já ouvira um amigo – amante de forró e música brega – rasgar alguns exaltados elogios à banda quando passávamos em frente de uma barraquinha de camelôs. Mas, passado mais de um ano desse dia, a Banda Calypso está estourada na mídia, com uma vendagem de discos que chegou a 5 milhões de cópias, e apresentações lotadas em casas de show nobres.
Indagado pela Folha de S. Paulo sobre o baixo preço dos oito discos da banda (R$ 10,00), Chimbinha, que divide a liderança do grupo com cantora-dançarina Joelma, dispara: “Nós mesmo fabricamos e fica mais barato do que fazer com uma gravadora. Não pagamos produtor, diretor não sei do quê, arranjador. Eu mesmo faço o arranjo, a direção, tudo. Não ganhamos muito com o CD, mas ficamos conhecidos e temos lucro com o show”. E emenda, sobre a pirataria: “(...) não brigamos com os pirateiros. Estouramos por causa da pirataria, que nos levou a várias cidades onde não chegaríamos”. Hipocrisia zero.


Joelma e Chimbinha, da Banda Calypso


E o fashion-hype Cansei de Ser Sexy adotou uma estratégia semelhante à da banda paraense. Correndo por fora da indústria fonográfica normal, alavancou a carreira a partir da distribuição gratuita de MP3s e propaganda em blogs – a versão século 21 da disseminação “boca a boca”. Gravaram então um disco oficial (com preço oficial, inclusive), mas vendem em shows uma versão alternativa do álbum, que traz um CD-R. Com ele o comprador grava uma cópia do álbum e dá (sim, de graça) para alguém.
A semelhança dos dois casos é nítida: observando o atual contexto da industria fonográfica, as duas bandas criaram alternativas viáveis para a disseminação de suas canções. Como os dois grupos encontraram bons nichos de venda, bingo!
E isso ainda serve para quebrar as pernas daqueles sujeitos que sempre reclamam da “falta de espaço para a divulgação do trabalho”. Mais do que nunca, o espaço está aberto. A questão é ser esperto como o Chimbinha.