20.10.05

O público ganha o que quer?

Desde o fim do Jesus and Mary Chain, no já longínquo ano de 1998, qualquer apresentação de um dos irmãos Reid é festejada no mundo rock alternativo. Afinal, foram esses dois sujeitos que, no mais longínquo ainda ano 1985, usaram feedback e belas melodias se tornarem uma das mais influentes bandas do pós-punk.
No último dia 13 de outubro aconteceu o Sonic Cathedral, um pequeno festival inglês dedicado à memória do célebre DJ John Peel, falecido há um ano. Dentre as atrações estava agendado um show do ex-Mary Chain Jim Reid, que acabou de lançar um single split com seu irmã, Sister Vanilla (produzido por Willian Reid, a outra metade do J&MC). Em tese, essa seria a ocasião perfeita para o sujeito tentar retomar a carreira, promover seu single e tudo mais.
Contudo, o que o público viu foi um Jim Reid bêbado e hesitante, cambelando entre algumas poucas canções – nenhuma de sua finada banda. Antes de deixar o palco, Jim tentou tirar outra canção de sua desafinada guitarra mas, vendo que não seria capaz, mandou um “i’m outta here” e deixou o palco. Por óbvio não estive no local, mas quase todas as manifestações do fórum “Some Candy Talking”, dedicado ao J&MC, descreveram esse show desastroso, que irritou até mesmo os fãs mais ardorosos.



Jim Reid: bêbado decadente ou gênio ainda incompreendido?


Entretanto, qualquer um que conheça a história da banda sabe que, quando o grupo começou, os show eram marcados justamente por algo que poderíamos chamar de “desrespeito” ao público. A banda tocava geralmente de costas para a platéia, bêbados e por cerca de meia hora, o que fazia com que boa parte dos concertos terminassem em quebra-quebra. No decorrer dos anos, a atitude mudou pouco, tanto que a banda acabou no palco, depois de uma briga entre dois embriagados irmãos Reid. E os álbuns seguiam essa lógica torta, com constantes guinadas sempre que o sucesso chegava perto. Com isso, mesmo sempre tendo chegado perto do sucesso – no primeiro disco a banda foi chamada de “novos Sex Pistols” – nunca chegaram aos mainstream.
E essa atitude lembra a de outra banda, o Brian Jonestown Massacre, cuja trajetória foi retratada no espetacular documentário Dig! (o qual vai ser exibido na 29ª Mostra Internacional de Cinema de SP). Apesar de toda a genialidade do líder-ditador Anton Newcombe, a banda nunca estourou em função de seu comportamento auto-destrutivo e anti-mainstream.
Assim, fica no ar o que eu acredito ser um dos maiores dilemas do rock: o artista deve dar ao público exatamente o que ele quer, ou deve, nos dizerem de Anton Newcombe, “keep the music evil”, fazendo o que der na telha?

13.10.05

Natal em Marte


A banda mais doida da Terra está sugerindo a você um psicodélico e nonsense "Natal em Marte". Esse é o título do filme que o Flaming Lips pretende lançar em 2006, após anos e anos na produção da película. Pelos shows da banda (que vem ao Brasil em novembro) dá pra ter uma mínima noção da insanidade que vem por aí. As perfomances ultimamente têm incluído uma fantástica bolha de plástico envolvendo Wayne Coyne, que "flutua" pela platéia dentro dela, além de utilização de instrumentos bizarros, como gongos, e gelo seco e bonequinhos (!?).



Sobre o filme, Coyne diz: "Estou pensando em levar isso para os cinemas para que seja uma experiência em que o filme seja acompanhado de um sistema de som gigante, máquinas de fumaça, luzes de Natal, merdas caindo em você do teto e você poderá fumar maconha e fazer o que desejar". O doente mental prossegue dizendo que o espetáculo deverá ser presenciado no cinema e não em casa. "O filme deverá sair em DVD e terá uma trilha sonora, mas essa não será a experiência real", diz.

Para quem não se lembra, o lunático em questão já lançou com sua banda, em 1997, o absurdo disco quádruplo "Zaireeka", onde os quatros discos teriam que ser ouvidos ao mesmo tempo para que a música "fizesse sentido". A versão "juntada" do disco pode ser encontrada no Soulseek, mas os fãs mais afoitos dizem não ser a mesma coisa.

Loucuras a parte, a banda tem um arsenal muito potente de belas canções, como "She Don´t Use Jelly" e "Turn it on", do fantástico e demente (óbvio!) "Transmissions from the Satellite Heart", de 1993, e "Do you realize?" e "Fight Test", do último e melhor disco "Yoshimi Battles tje Pink Robots".

Por todas essas razões, o show no Brasil deverá ser, no mínimo, uma experiência única. Mas como diz o próprio Coyne em "Fight Test": é tudo um mistério!

Fonte sobre o filme: NME.com

3.10.05

The gift of sound and vision

Não eram só cinco sujeitos tocando canções pop, daqueles que empolgam por duas horas e só – não que isso já não seja o suficiente para um show ser algo fenomenal. O que o Mercury Rev proporcionou ao fechar a última noite do Curitiba Rock Festival está além disso. Algo que não pode ser digerido em duas horas a frente de um palco.
O primeiro detalhe que diferenciou a apresentação das demais foi um telão armado atrás da banda, no qual foram projetadas diversas imagens e citações durante todo o espetáculo, no melhor estilo do Pink Floyd da era do Syd Barrett ou os Velvets quanto eram os queridinhos de Andy Warhol. Antes da banda subir ao palco foram projetadas diversas capas de álbuns, livros e filmes que, de uma forma ou de outra, influenciaram a banda: estavam lá desde o jazz vanguardista de Coltrane, Coleman e Sun Ra até o pós-punk dos Replacements, Hüsker Dü e Galaxie 500, passando ainda por Bob Dylan, Leonard Cohen, Kerouac, Chemical Brothers etc.
Terminadas as projeções iniciais a banda sobe ao palco, com o vocalista Donahue empunhando meia garrafa de vinho tinto. Abrem o show com “Secret for a Song” a primeira faixa do último álbum, “The Secret Migration”. Pelo resto do concerto o grupo iria tocar praticamente todas as faixas do disco, com destaque para a climática “My Love” e a empolgante “Vermillion”.


Palco do show do Mercury Rev: sincronia entre sons e imagens.


Um dos pontos altos do show foi a execução de “Tonite It Shows”: o guitarrista Grasshoper, que trocou um pouco sua Stratocaster por uma gaita de boca, e o baixista, que trocou seu instrumento por um piano elétrico, criaram o cenário perfeito para que o performático Jonathan Donahue cantasse e gesticulasse os belos versos da canção. E algo semelhante ocorreu no número final, “The Dark is Rising”, com o lunático líder da banda comandando explosões sonoras de uma orquestra imaginária.
E durante todo o espetáculo as projeções continuaram. Citações de artistas, filósofos e até mesmo o Mestre Yoda ou do E.T. eram alternadas com palavras de ordem, algumas beirando perigosamente a auto-ajuda, além de pedaços de filmes e imagens aleatórias. Tudo era tão bem costurado que, apesar de chegarem perto de merecerem o título de pedantes ou de hippies, a dignidade foi mantida intacta.
No conjunto da obra, a climática música da banda, que consegui reproduzir a grandiosidade das gravações de estúdio, acabava se integrando perfeitamente às imagens e à performance de Donahue, ficando claro que tudo não era apenas um show de rock.