28.2.05

A arte das canções miseráveis (parte II)

De uns tempos para cá ouvi falar muito do Bright Eyes. Li em alguma revista que o carinha tinha umas letras estilo Bob Dylan, e que as músicas lembravam um folk bacana. Bom, consegui o novo disco do sujeito, chamado “I’m Wide Awake; It’s Morning” e logo na primeira faixa que escolhi para ouvir (“First Day of My Life”) notei que havia alguma coisa no disco.
Cheguei então à conclusão que o tal do Bright Eyes faz parte daquele rol enorme de bandas melancólicas que se proliferaram depois que o Radiohead lançou o “The Bends”, como Travis, Coldplay, Keane etc. A maior parte delas usa a fórmula segura de melodias grudentas, guitarras pesadas aqui e acolá, pianinhos bonitinhos em arranjos simplistas e letras metidas a tristonhas.
Mas algumas vezes, por mais que você saiba que essas musicas não são obras-primas, elas dizem alguma coisa. Nessa “First Day of my Life”, por exemplo, Conor Oberst, o sujeito por trás do Bright Eyes, lança os versos “I remember the time you drove all night/Just to meet me in the morning/And I thought it was strange, you said everything changed/You felt as if you'd just woke up” acompanhado só por um violãozinho. Dependendo das circunstâncias, essas palavras simplistas são certeiras.
Mas é até fácil entender que o efeito que o Bright Eyes causa, já que trata-se de uma banda séria, que tem fãs como Michael Stipe. Só que nem sempre as palavras certeiras são disparadas por músicos de respeito.
Eu mesmo confesso que sou um fã incondicional de “Complicated”, da Avril Lavigne. Por mais que eu saiba que aquilo deve ter sido criado por um produtor gordo e velho e que todos os instrumentos foram tocados por chatíssimos músicos de estúdio, a música me diz algo. Ela tem uma dinâmica fantástica, saltando do verso para o refrão de um jeito irresistível. A mesma coisa acontece com o refrão de “Happy Ending”. Aquele “You were everything that I wanted/We were meant to be, suppposed to be/But we lost it” é digno de qualquer canção do Radiohead na fase “The Bends”.


Isso me leva a uma conclusão - talvez filosófica demais - que essas musiquinhas tem ação rápida, direta. Elas não dependem de lá muita atividade intelectual. Você não precisa saber apreciar ela, como faz com os versos truncados de um Bob Dylan ou as metáforas herméticas de um Leonard Cohen.
É direto e preciso, como uma boa música pop que torna sua vida mais miserável deve ser.

25.2.05

A arte das canções miseráveis (parte I)

De uns tempos para cá ouvi falar muito do Bright Eyes. Li em alguma revista que o carinha tinha umas letras estilo Bob Dylan, e que as músicas lembravam um folk bacana. Bom, consegui o novo disco do sujeito, chamado “I’m Wide Awake; It’s Morning” e logo na primeira faixa que escolhi para ouvir (“First Day of My Life”) notei que não havia muito conteúdo no disco.
Cheguei então à conclusão que o tal do Bright Eyes faz parte daquele rol enorme de bandas melancólicas que se proliferaram depois que o Radiohead lançou o “The Bends”, como Travis, Coldplay, Keane, Camera Obscura etc. A maior parte delas usa a fórmula segura de melodias grudentas, guitarras pesadas aqui e acolá, pianinhos bonitinhos em arranjos simplistas e letras metidas a tristonhas. Como diria o Homer Simpson, naquele clássico episódio com os Pumpkins e o Sonic Youth, é muito fácil deixar a molecada deprimida...
Posso até estar ficando chato demais, mas acho que a maioria do que essas bandas faz é simplesmente dissolver o que seus antecessores fizeram. Para notar isso é só ouvir o “The Bends” e perceber que o Thom Yorke e seus amigos sabem como fazer uma coisa realmente melancólica e com uma evidente qualidade. As letras não se apegam em imagens simplistas, como fez a “First Day of Life” que citei ali em cima (“I remember the time you drove all night/Just to meet me in the morning/And I thought it was strange, you said everything changed/You felt as if you'd just woke up”), nem em arranjos previsíveis - apesar que, ouvindo hoje o “The Bends”, é difícil notar toda a novidade, já que a influencia do disco já foi bem absorvida.
wilco

Mas, para a reclamação não ficar em conversa de velho, cito aqui um disco de 2004 que é realmente melancólico: “A Ghost is Born”, do Wilco. O disco abre com um pianinho baixíssimo e o sujeito murmurando, a beira da cama de uma mulher chorando, algo sobre ir embora. Quando você espera que isso vá emendar em um refrão grudento, surgem guitarras pesadíssimas capitaneadas pelo líder da banda, Jeff Tweedy e seu novo parceiro Jim O’Rourke (que também toca no Sonic Youth). Daí para o fim, é só barulho e riffs. Mas até mesmo as canções mais pop do disco, como a acústica “Muzzels of Bees”, traz doses de melancolia de qualidade (“And dogs laugh, some say they're barking/I don't think they're mean/Some people get so frightened/Of the fences in between”).
E, para quem quiser conhecer os caras que realmente entendem do assunto, deixo algumas sugestões: “Berlin” do Lou Reed, cheio de violência doméstica e crianças órfãs; “Small Change” do Tom Waits, que cheira à álcool do começo ao fim; “Third/Sister Lovers” do Big Star, carregado de ressentimento; “Songs of Love and Hate” do Leonard Cohen, com suas imagens que vão de uma avalanche soterrando a alma a um Papai-Noel com uma faca de aço inoxidável; e, por fim, o clássico “Blood on the Tracks”, de Bob Dylan, parido dolorosamente após o rompimento de seu casamento.
Divirtam-se.

17.2.05

Bons tempos aqueles da boemia

De volta das férias, o tema para a primeira coluna do ano não poderia ser diferente. Imortalizada na voz de Nelson Gonçalves, a boemia certamente não é apenas uma maneira de vida, é um patrimônio histórico e cultural da música brasileira.

Vivida intensamente nas décadas de 30 a 50, foi a responsável por um sem-número de canções ora chorosas e doloridas ora alegres e contemplativas, que retratavam um mundo de sofrimentos amorosos e festas animadas regadas à cerveja e violão pelas madrugadas dos botecos. É dessa “filosofia de conversa de bar” que saíram grandes mestres e grandes momentos da nossa música popular, que, apesar de completamente esquecidos hoje em dia, merecem sempre ser reverenciados.

Entre os precursores, vale a pena citar:

- Noel Rosa, com seus versos inteligentes e sempre ácidos (“Seu garçom faça o favor de me trazer depressa/ uma boa média que não seja requentada/ um pão bem quente com manteiga a beça/ um guardanapo e um copo d´água bem gelada” – Conversa de Botequim);

- Cartola, com seu inconfundível lirismo sentimental e doído (“Procuro afogar no álcool a sua lembrança/ mas noto que é ridícula a minha vingança/ Vou seguir os conselhos de amigos/ E garanto que não beberei nunca mais/ E com o tempo esta imensa saudade/ Que sinto se esvai” – Peito Vazio);

- Ataulfo Alves, talvez o mais injustiçado de todos, consagrado na voz de Orlando Silva, o “Cantor das Multidões” (“Eu na verdade/ Indiretamente sou culpado/ Da tua infelicidade/ Mas se eu for condenado/ A tua consciência/ Será meu advogado” – Errei, Erramos);

- Lupicínio Rodrigues, considerado o pai da “dor-de-cotovelo” ( “Quem há de dizer / Que quem você está vendo/ Naquela mesa bebendo / É o meu querido amor/ Repare bem que toda vez que ela fala/ Ilumina mais a sala / Do que a luz do refletor/ O cabaret se inflama quando ela dança/ E com a mesma esperança/ Todos lhe põem o olhar/ E eu, o dono/ Aqui no meu abandono/ Espero, louco de sono/ O cabaret terminar” – Quem há de dizer);

Todos tiveram seu apogeu entre as décadas de 30 e 40, mas, invariavelmente, restrito a guetos de apreciadores e praticantes desse estilo de vida. Tempos depois, surge nova leva de boêmios, resgatando os princípios de seus mestres, sempre levando suas canções numa mistura de samba, bolero e tango, enfatizando, ao mesmo tempo, a alegria e a dor de cotovelo inerentes à boemia. Entre os maiores, dá pra destacar:

- Paulo Vanzolini, fantástico sambista e letrista de São Paulo, apreciador da noite e grande estudioso de biologia (o museu de Zootecnia da USP leva o nome dele) – (“Eu não bebo pra esquecer/ bebo pra lembrar/ Bebo e cambaleio e tenho/ você ao meu lado/ É o meu instante de felicidade/ Vou andando na neblina das ruas/ Conversando com você/ Cantigas da perdida felicidade/ Seu perfume se mistura ao cheiro bom da madrugada/ Sua mão nem pesa em meus braços/ Mas seu contato é doce, doce/ E o rumor dos seus passos é música, música pura” - Valsa das Três da Manhã);

- Adoniran Barbosa, de todos, o maior símbolo da boemia paulista, dispensa apresentações (“Com a corda Mi do meu cavaquinho/ fiz uma aliança pra ela/ prova de carinho/ Quantas serenatas eu tive que perder/ pois meu cavaquinho já não pode mais gemer/ Quanto sacrifício eu tive que fazer/ para dar a prova pra ela/ do meu bem querer” – Prova de Carinho)

- Dolores Duran, com suas interpretações dignas de lágrimas, uma das maiores influências de Cazuza (“Eu desconfio/ Que o nosso caso esta na hora de acabar/ Há um adeus em cada gesto/ Em cada olhar/ O que não temos é coragem de falar/ Nós já tivemos a nossa fase/ de carinho apaixonado/ De fazer versos/ de viver sempre abraçados/ Naquela base do só vou se você for” – Fim de caso).

- Nelson Gonçalves, que apesar de não ser compositor, emprestou sua voz magnífica à composições que viraram clássicos (“Tango, meu tango triste/ Tantas vezes aqui nesta calçada/ Choramos juntos/ meu tango triste/ Como rivais disputando a bem amada/ Tango, meu tango triste/ fora de moda, desprezado como eu/ Meu companheiro de boemia/ a noite sobre ti também desceu” – Último Tango).

Não há como negar a beleza dessas letras, a maestria dos arranjos (dá uma procurada na Internet que dá pra ouvir todas elas) e o clima intenso e verdadeiro que cada uma delas passa. Todos esse mestres ainda serviram de influência para outros, como Benito de Paula (“Você me olha desse jeito/ meus direito e defeitos querem se modificar/ Meu pensamento se transforma/ me transporto simplesmente/ penso coisa diferente/ Vejo em você meu amor”), Zeca Pagodinho e Cazuza, isso sem citar toda a geração bossa-nova e diveros outros grandes adeptos da tradição boêmia.

Uma pena que uma fase desse porte da música nacional seja esquecida e pouco reverenciada, talvez por falta de informações, talvez por falta de discos no mercado, talvez por falta de interesse das pessoas em conhecerem nossas raízes. Valeria muito a pena se isso fosse revivida, se tivéssemos uma nova geração de boêmios apaixonados que cantam o amor, a dor e a alegria, num puta clima de amizade e conversa de bar, onde o que importa é cantar, tocar, conversar e tomar uma cerveja.

Por outro lado, para aqueles que se julgam dignos do espírito da boemia, vale o tapa na cara de Paulo Vanzolini, em “Falso Boêmio”:
Talvez então não dissesse/ que bebe pra ver se esquece/ que a madrugada o inspira/ Você fazendo o que faz/ Só mostra que quer cartaz/ Que é um boêmio de mentira/ Porque não é boemia/ Trocar noite pelo dia/ Beber com ar de tristeza/ Ser boêmio é ser diferente/ É viver liricamente/ Padecendo com grandeza

4.2.05

Sim, estamos vivos.

Post relâmpago só pra prometer que, após o Carnaval, o blog retorna. Estamos fazendo um layout novo e tudo mais.
Então, não achem que isso aqui tá abandonado. É que agora temos coisas melhores pra fazer. Mas como as férias terminam logo, teremos muito mais tempo pra escrever nossas belíssimas colunas...